terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Não existe amor à primeira vista

É isso. Sem rodeios. Não existe amor à primeira vista.
Certamente uma festa a convite de amigos ou mesmo uma saidinha de balada ou barzinho são bons lugares para se gostar de alguém. É natural que um papo bem fluído, aliado a características que você enxerga como qualidades presentes neste alguém vai te ajudar a brilhar os olhos por ele ou ela. A beleza também pode te fascinar, mesmo que as ideias do outro não bata com as suas.
Desisto de pensar que você vai convidar para sair outro dia alguém que seja um chato de galocha, que se apresente como um porre em dez minutos de social. Mas alguém que você não teve oportunidade de falar em particular pode te fazer dar uma segunda chance, um segundo encontro. Acredito que já tenha acontecido com você, leitor, de sentir este súbito desejo por alguém que tenha se esquecido de pedir o telefone e não tenha mais visto. A sensação de perder uma grande chance é amarga.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Carteado (Parte 2)

Na face do valete de espadas tinha algo escrito na beirada branca. “Casa grande”. William ficou confuso, não entendeu nada. Foi até a cozinha pegou a maior faca que tinha na gaveta do gabinete, enfiou numa capa protetora e escondeu entre a calça e a camisa. Não sabia o que encontraria na busca pelo fim desta loucura. Mesmo à hora do almoço, não sentia fome alguma, o estômago se embrulhava diante da situação inimaginável a qual estava passando. “Casa grande”.
Ele pensou por alguns segundos. Ao fim da rua de sua casa tinha uma casa, o esboço de uma mansão, que havia sido abandonada por seu proprietário há dois anos, parando sua construção. Correu para lá. Teve de pular o portão, que estava trancado à corrente. Observou para ver se ninguém o observava e entrou. Lá dentro, apenas poeira tomava conta do piso de concreto e alguns materiais de construção nos cantos das paredes inacabadas. Procurou por toda a parte. Subiu para o andar de cima e nada encontrou. William teve vontade de chorar, pensava em Sara pregada à parede e na mãe, sedada e completamente presa à cama da namorada. Pensou estar sonhando, lembrou-se de sua infância, dos passeios com a mãe, da adolescência e quando conheceu Sara, no show dos Stones no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Carteado (Parte 1)

Aquele mês de maio era atípico na capital paulista. Fazia 32 graus às 11 horas da manhã no centro da cidade. Há alguns anos William não sentia tanto calor naquela época do ano. Mesmo sob o ar condicionado da agência de viagens onde trabalhava ele não se sentia satisfeito. A porta sempre aberta para a entrada de clientes atrapalhava a estabilização da temperatura dentro da sala. Sentia que não seria fácil aquela quinta-feira, sobretudo porque, saindo dali, ele ainda enfrentaria uma condução abastecida de calor humano e sua casa protegida apenas por um ventilador velho da mãe. “Até que não está tão ruim agora”, pensava.
William achava que aquele calor afastava os clientes. Ele dependia da porcentagem de vendas para ganhar o dinheiro suficiente para quitar as contas do mês e naquele dia a movimentação era fraca. Até àquela hora só atendera um cliente, que, segundo a aguçada impressão de William, não havia ficado muito satisfeito com o orçamento que recebeu. Ao meio dia ele sairia para o almoço. Recebeu uma mensagem de Sara: “Amor, por favor, venha até o café no horário do almoço, preciso falar com você. É importante. Te amo”. William e Sara namoravam há quase dois anos e o noivado já estava em pauta em passeios corriqueiros aos domingos. Sara trabalhava como atendente num café próximo ao trabalho de Willians, mas ela nunca havia pedido para que ele fosse até lá no almoço, mesmo por que o tempo de lanche é curto e o bom senso se fazia presente na relação.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Não quero dinheiro!

O relógio mostrava três da tarde quando Letícia recebeu o telefonema de sua mãe. Ela atendia um cliente na loja de tecidos da 25 de março, onde trabalhava, quando atendeu sem muita paciência.
— Ai filha, você não sabe. Aquele moço que te convidou para sair no final de semana veio aqui. Ele lhe trouxe flores, filha.
O que para o rapaz das flores era para ser motivo de surpresa, dona Fátima transformou em presente sem graça. Letícia até teve empatia pelo rapaz e sentiu pena pela atitude da mãe, que ela conhecia e sabia que não segurava nada em segredo por mais de dez minutos. Mas ela não tinha intenção de sair com Ricardo e ficou irrita pela interrupção em seu trabalho para falar dele.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

O buquê

Eu pensava com meus botões o que eu poderia enviar a ela no nosso dia, durante a arrumação de praxe de uma noiva. A semana foi agitada e eu só pude pensar nisso no último dia, no dia derradeiro. Mas seria um desafio achar uma solução para aquele que eu considerava ato praticamente obrigatório.
Estive com ela pela manhã. Depois, a noiva partiu para o salão e eu corri na busca por um carro de aluguel. Eu também tinha horário marcado no salão para dar jeito no cabelo enrolado, mas o tempo era curto e seria uma prova de resistência à minha paciência. A rodovia Raposo Tavares estava recheada de estresse, que era representado por centenas de carros que andavam na velocidade de uma tartaruga.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Crime e consequência

Em meados de 2016, sargento Brandão foi até a penitenciária Nilton Silva, em Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, numa manhã de terça-feira. Alguns presos daquela cadeia seriam transferidos para Marília e Brandão seria um dos responsáveis por essa transferência.
A reunião de planejamento da viagem começaria às dez horas, mas Brandão já estava no local com uma hora de antecedência. Cumprimentou alguns amigos, conversou por alguns minutos sobre a última rodada da NFL e saiu. Foi até a máquina de café e pediu um longo. Brandão já estava na polícia há mais de 15 anos e naquela manhã ele resolveu tirar aquele tempo para refletir a causa de todo aquele caos que tomava a cidade.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Destino traçado

Aquela era uma missão audaciosa. Giovanni sabia disso através do fato de que o local que deveria tomar aquele carro não era um lugar qualquer e o veículo, demasiado caro, indicava ser de gente importante. Por isso, Gio, como era conhecido pelos amigos, cuidava de suas observações cautelosamente e não queria perder nenhum detalhe. Há uma semana ele observava os movimentos daquele carro e decidira que o dia de amanhã seria o escolhido para o delito.
Giovanni, apesar de ser ladrão de automóveis por encomenda há mais de cinco anos, sofria cobrança de sua mãe, Dolores. Ela não saía do pé de Gio, exceto quando ele saía para trabalhar. Era atendente em uma mercearia na zona sul da cidade. Trabalhava até duas da tarde e depois saía para cometer os seus crimes. Para Dolores, Giovanni trabalhava até às seis da tarde, o que justificava sua chegada depois das oito horas, tendo em vista a distância de Santo Amaro a Penha, onde moravam.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Um novo começo: contos, crônicas e opiniões

Pela terceira vez darei uma chance a este blog. Antes, o poder da opinião. Agora, o poder do texto. Tenho bastante a oferecer com contos e crônicas, além das opiniões, que vão ficar um pouco de lado diante das estórias e histórias que tenho para contar.
Espero que apreciem o conteúdo e fiquem à vontade para interagir através da caixa de mensagens. As palavras tem poder: o poder da liberdade, da manifestação, da literatura e da imaginação. Expressarei o meu eu literário neste espaço, espero que gostem!

Só eu que pego as coisas!

Em casa, no período de férias da esposa, a rotina tem formato diferente do comum. Quando eu chego do trabalho, no começo da noite, ela já está preparando o jantar, enquanto assiste às suas séries preferidas pelo celular. A primeira ação é um banho e o alívio de uma roupa limpa e o conforto do lar.
Em pouco tempo o jantar é servido por ela, geralmente cada dia com um cardápio diferente e um prato bem montado, o que me deixa sempre feliz e interessado na sua dedicação em fazer desenhos com o arroz e outras graças. Ela se junta a mim e a partir deste momento eu começo a trabalhar. É sério. Porque só eu que pego as coisas!
Acabamos a refeição e eu retiro as pequenas mesinhas que apoiamos os pratos. Levo até a cozinha e geralmente volto com um palito, que é um hábito. Quando me preparo para sentar e voltar a ver TV, vem o pedido.
           − Amooooor, pega o controle e aumenta o volume?!
Depois, eu preciso PEGAR a sobremesa e na volta PEGAR a Kenny na gaiola para bagunçar na cama. Quando terminamos a sobremesa eu tenho que PEGAR as tacinhas e levar até a cozinha. Mal me deito novamente e o computador, ligado à TV através de um cabo HDMI, pede para que avise a ele se dormimos ou se queremos continuar assistindo (?) e adivinha quem tem de ir até lá?!
− Ohh amô, vai lá clicar em “continuar assistindoooo”.
− Poxa amor, de novo eu? Só eu que pego as coisas!!!
          Ao final de mais uma noite agradável vendo séries ou filmes, chega aquela hora de desligar o computador e apagar a luz. Ela faz manha, finge choro, me dá beijinhos...tudo para que eu mais uma vez “pegue as coisas”. Desligo o computador, PEGO o cobertor, apago a luz e me deito. Ela deita em meu peito e adormecemos.
Eu não ia lhes contar nada disso e é claro que não é uma reclamação da minha vida amorosa, que vai muito bem, obrigado! Mas ela pegou (viva, ela pegou!!!) meu bloco de notas e me pediu formalmente para que escrevesse. E eu escrevi né?! Porque só eu que escrevo as coisas!

A dor do erro e o efeito da saudade

Sevilha, Espanha. 27 de Julho de 2007. A cidade ainda acordava quando Margarita saía para trabalhar, de uma casa na qual tinha saudades, mas que não tinha intenção de voltar. Voltou. Sua condução era um ônibus e seu caminho não era longo. A chegada ao restaurante Ravier, onde agora trabalhava como garçonete, fez Margarita refletir sobre o que lhe havia acontecido há duas semanas.

Huelva, Espanha. 15 de Junho de 2007. Pablo era consultor de vendas e trabalhava em uma concessionária de carros no centro da cidade. Enquanto isso, Margarita se atarefava em fazer o café e o jantar em um restaurante francês na zona sul de Cádiz; trabalhava no período da tarde, estendendo até o final da noite. No dia anterior àquele, a jovem de cabelos negros e longos em um corpo muito admirado pelos rapazes da região, notou apreensão em seu noivo. Pablo acordou agitado e com o rosto fechado, Margarita não o via assim desde a época de finais do campeonato de rugby, na qual Pablo participava antes do noivado.
Pablo fez questão de atender àquela cliente, conversaram durante um tempo e saíram no carro dele. Era estranho ver o carro de Pablo parado em frente a sua casa naquela hora do dia. Sem que ninguém percebesse, adentrou sua casa junto a uma mulher de vestido preto e cabelo encaracolado. A casa tinha o perfume de Margarita, mas naquele momento Pablo não tinha olfato.
- Esta será a ultima vez, Pablo.
Pablo sempre confiou em Carlota desde que começaram a sair; mas ela o traiu. No final de tudo, Carlota, propositalmente, deixou cair no banheiro uma de suas vestimentas, a mais baixa. E saíram.
Margarita sempre chegava mais cedo. Mas naquele dia, quando Pablo ultrapassou a porta de entrada só encontrou silêncio. A ausência das roupas de Margarita no guarda-roupa o fez decifrar o que estava acontecendo ali. Neste momento, passaram pela cabeça de Pablo todas as aventuras passadas ao lado dela: viagem à Alemanha, piquenique no parque de Córdoba, o passeio na praia, os jogos de rugby. E ele pôde sentir o gosto do arrependimento e aquela sensação de dor no peito.
Àquela altura, Margarita já estaria de volta à casa de seus pais, em Sevilha, pensando no porquê estaria acontecendo algo tão inimaginável até então. Naquela noite, ele se deitou, sem ao menos tentar explicar-se; já sabia o culpado. Apenas tentou dormir, em vão. Ao nascer do sol, Pablo levantou-se e, sem rumo, caminhou pela cidade vazia. Chegando à praia, ele pôde reparar nos passos na areia molhada, e isso lhe fez sentir o que jamais havia sentido por Margarita. A saudade.

Sevilha, Espanha. Abril de 2009. Margarita casa-se com Esteban e já espera aquele que será seu primeiro niño, o sonho de sua vida. Estuda direito e pretende ser delegada; Esteban é proprietário de uma construtora civil.

Huelva, Espanha. Maio de 2010. Pablo Pedrosa Martins se suicida na ponte de pesca do Mar Mediterrâneo, depois de escrever, com pegadas na areia, um nome feminino, que a polícia busca significado.

(Este conto é uma republicação. Foi o primeiro texto publicado neste blog, em agosto de 2010)