O
relógio mostrava três da tarde quando Letícia recebeu o telefonema de sua mãe.
Ela atendia um cliente na loja de tecidos da 25 de março, onde trabalhava,
quando atendeu sem muita paciência.
—
Ai filha, você não sabe. Aquele moço que te convidou para sair no final de
semana veio aqui. Ele lhe trouxe flores, filha.
O
que para o rapaz das flores era para ser motivo de surpresa, dona Fátima
transformou em presente sem graça. Letícia até teve empatia pelo rapaz e sentiu
pena pela atitude da mãe, que ela conhecia e sabia que não segurava nada em
segredo por mais de dez minutos. Mas ela não tinha intenção de sair com Ricardo
e ficou irrita pela interrupção em seu trabalho para falar dele.
—
Mãe, eu estou no trabalho. Não dá pra falar disso agora, em casa conversamos —,
disse já irritada.
—
Mas não seja tão fria com ele. Filha, esse rapaz tem muito dinheiro, é
estudado, simpático, ele pode te dar boas condições de...
—
Mãe, por favor, isso pouco me interessa. Eu vou desligar, tem cliente me
esperando. — desligou o telefone. Letícia não tinha paciência para aquela
ladainha da mãe.
O
vento dentro da cabeça de Letícia levava seus pensamentos para outro lugar.
Entre um cliente ou outro que atendia, ela pensava o que Breno estaria fazendo
naquele momento. Contava os minutos para vê-lo. Não estava disponível para
receber presente de Ricardo, o moço das flores, e nem de aceitar o seu convite
para jantar, mesmo que fosse na sua Porche preta e no melhor restaurante de São
Paulo.
Letícia
conheceu Breno através de amigos em comum. Se encontraram pela primeira vez num
barzinho, depois pizzaria e, enfim, visitou o estúdio que ele usava com os
amigos para ensaios de sua banda. Breno era vocalista da Versus, banda independente de rock. Ali, naquela ocasião, Letícia
já sabia que estava apaixonada. Breno era auxiliar administrativo em uma
empresa de crédito financeiro e estava de férias. Havia acumulado dinheiro
suficiente durante um ano para participar de um festival de novas bandas em
Brasília. Passaria toda a semana lá.
Letícia
já estava aflita. Por dois motivos: ter de esperar pela volta de Breno; e por
não saber se Breno nutria por ela o mesmo sentimento que ela por ele. Essa era
a luta mais difícil dentro do coração da garota, que ainda sofria pressão da
mãe para que escolhesse o concorrente. A vantagem de deixar Ricardo conquista-la
estava no carinho que ele já tinha por ela e por ser alguém já maduro, de boa
família e estabilizado na vida profissional. Ricardo era um empresário bem
sucedido. Ele estava ali, disponível para ela. Era um cliente e agora alguém
que queria lhe oferecer coisas novas, vida nova.
Mas
Letícia não enganava o próprio coração. Ela amava! Sentia que amava Breno e
estava prestes a arriscar seu futuro pelo amor que sentia pelo vocalista. Ele
nunca demonstrou este sentimento. Nem ela. Guardou para si, mas sentia uma
conexão forte com ele e isso era recíproco. Talvez ele tivesse pensando a mesma
coisa, por que não? Mas já era quarta-feira e Breno ainda não tinha ligado,
respondia apenas as mensagens conforme podia, sem imediatismo. Leticia se
cuidava para não sufocar o rapaz, sabia que isso atrapalharia um futuro
relacionamento. Não tinha outra opção, tinha de esperar até domingo.
Nos
dois três que se passaram, dona Fátima tentou convencer a filha de dar chance a
Ricardo, o rapaz das flores.
—
Letícia, é sua chance de ter as melhores oportunidades, minha filha. Não estou
falando de se aproveitar do rapaz, mas ele vai te dar condições para que você
conquiste seus sonhos. — dizia a mãe. Letícia respondeu em tom pausado.
—
Dona Fátima, eu tenho agora a oportunidade de amar. Isso para mim é mais importante.
Eu não quero dinheiro. Vou arriscar a minha vida para ser feliz e não para ser confortável.
A
mãe já estava desistindo quando Ricardo bateu à porta e, claro, foi muito bem
atendido por ela. Ricardo entrou e Letícia foi chamada. À contragosto ela
desceu até a sala, mas já sabia o que diria para Ricardo.
—
Vou até o mercado fazer umas compras, podem ficar à vontade. — disse a mãe
sorrindo.
A
conversa com Ricardo foi rápida, de modo que, ao voltar, dona Fátima não viu
mais o rapaz em sua casa. Questionou Letícia sobre o que houve, e ouviu o que
não gostaria. O rapaz não voltaria mais lá. A mãe entendeu que Letícia não ia
ceder e que estava completamente apaixonada. Mais tarde, após pensar um pouco e
ainda se sentir incomodada, a mãe entrou no quarto de Letícia. O cômodo estava
bagunçado, com algumas roupas jogadas sobre a cama e Letícia organizava algumas
outras. Objetos espalhados e duas malas no canto direito, perto do criado mudo.
—
Eu te entendo, Letícia. Mas espero que não se arrependa. Você não sabe o que
esse rapaz, o Breno, tem a lhe oferecer. Ele quer seguir carreira na música,
que você sabe ser muito difícil. Se não conseguir, será o quê? Varredor de rua?
E você, como fica?
—
Eu também compreendo sua preocupação, mãe. Mas eu já tenho 24 anos e sei o que
quero da vida. Eu sei o que estou fazendo. Não vou me relacionar com alguém que
não gosto apenas por dinheiro, como a senhora quer. Eu amo o Breno e o apoiarei
no que for preciso para que ele chegue aos seus objetivos e eu também. Não se
preocupe, mãe, não vou mais lhe dar trabalho com as minhas preferência. O Breno
me ligou hoje, eu ouvi o que gostaria e as malas já estão prontas. Breno
conseguiu contrato com uma produtora em Brasília e eu estou indo para lá.
A
mãe estacou. Observou a arrumação da filha por alguns minutos. Elas se
abraçaram, duas choraram, mas com poucas palavras. Ela disse que daria notícias
e saiu. Naquele instante, dona Fátima percebeu que a filha estava fazendo a
escolha certa. Ela fora atrás do amor, do que lhe faria feliz. E a partir dali,
o que o mundo lhe daria seria consequência. Lá no fundo, dona Fátima sabia que
Letícia tinha razão. Fez uma oração, abençoou a filha e voltou para a cozinha.
(Este conto pode ter parecido sem graça. Mas ele foi um exercício de interpretação. O conto foi inspirado na música "Não quero dinheiro", do mestre Tim Maia - vídeo abaixo. Se você gosta de escrever, inspire-se em uma música e escreva. Se quiser, indique uma para que eu escreva um conto me inspirando nela).

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