quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A dor do erro e o efeito da saudade

Sevilha, Espanha. 27 de Julho de 2007. A cidade ainda acordava quando Margarita saía para trabalhar, de uma casa na qual tinha saudades, mas que não tinha intenção de voltar. Voltou. Sua condução era um ônibus e seu caminho não era longo. A chegada ao restaurante Ravier, onde agora trabalhava como garçonete, fez Margarita refletir sobre o que lhe havia acontecido há duas semanas.

Huelva, Espanha. 15 de Junho de 2007. Pablo era consultor de vendas e trabalhava em uma concessionária de carros no centro da cidade. Enquanto isso, Margarita se atarefava em fazer o café e o jantar em um restaurante francês na zona sul de Cádiz; trabalhava no período da tarde, estendendo até o final da noite. No dia anterior àquele, a jovem de cabelos negros e longos em um corpo muito admirado pelos rapazes da região, notou apreensão em seu noivo. Pablo acordou agitado e com o rosto fechado, Margarita não o via assim desde a época de finais do campeonato de rugby, na qual Pablo participava antes do noivado.
Pablo fez questão de atender àquela cliente, conversaram durante um tempo e saíram no carro dele. Era estranho ver o carro de Pablo parado em frente a sua casa naquela hora do dia. Sem que ninguém percebesse, adentrou sua casa junto a uma mulher de vestido preto e cabelo encaracolado. A casa tinha o perfume de Margarita, mas naquele momento Pablo não tinha olfato.
- Esta será a ultima vez, Pablo.
Pablo sempre confiou em Carlota desde que começaram a sair; mas ela o traiu. No final de tudo, Carlota, propositalmente, deixou cair no banheiro uma de suas vestimentas, a mais baixa. E saíram.
Margarita sempre chegava mais cedo. Mas naquele dia, quando Pablo ultrapassou a porta de entrada só encontrou silêncio. A ausência das roupas de Margarita no guarda-roupa o fez decifrar o que estava acontecendo ali. Neste momento, passaram pela cabeça de Pablo todas as aventuras passadas ao lado dela: viagem à Alemanha, piquenique no parque de Córdoba, o passeio na praia, os jogos de rugby. E ele pôde sentir o gosto do arrependimento e aquela sensação de dor no peito.
Àquela altura, Margarita já estaria de volta à casa de seus pais, em Sevilha, pensando no porquê estaria acontecendo algo tão inimaginável até então. Naquela noite, ele se deitou, sem ao menos tentar explicar-se; já sabia o culpado. Apenas tentou dormir, em vão. Ao nascer do sol, Pablo levantou-se e, sem rumo, caminhou pela cidade vazia. Chegando à praia, ele pôde reparar nos passos na areia molhada, e isso lhe fez sentir o que jamais havia sentido por Margarita. A saudade.

Sevilha, Espanha. Abril de 2009. Margarita casa-se com Esteban e já espera aquele que será seu primeiro niño, o sonho de sua vida. Estuda direito e pretende ser delegada; Esteban é proprietário de uma construtora civil.

Huelva, Espanha. Maio de 2010. Pablo Pedrosa Martins se suicida na ponte de pesca do Mar Mediterrâneo, depois de escrever, com pegadas na areia, um nome feminino, que a polícia busca significado.

(Este conto é uma republicação. Foi o primeiro texto publicado neste blog, em agosto de 2010)

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