sexta-feira, 10 de março de 2017

Alice

Existe um provérbio africano que diz: “quando morre um velho é uma biblioteca que se incendeia”.
Mais do que uma biblioteca, como um HD de grandes histórias, cultura e conhecimento de um idoso, Alice era um depósito de calma, carinho e compaixão. Fez sua passagem dormindo como um passarinho e encontrou no plano espiritual aquele que não via há quase 14 anos. Quando ele soube de sua futura chegada aparou a barba, vestiu a velha camisa marrom de botões, uma bermuda confortável, a bota preta e se perfumou. Daquela forma, a tradicional, ele esperaria sua véia, que era “tão boa, mas tão boa, que chegava num prestá”. Assim como eu e você, Pedro não queria esperar por tanto tempo, mas não teve escolha. Alice tinha de terminar o seu legado na terra dos humanos e esperar a geração posterior para deixar seus ensinamentos. Mas ele, agora, teve sua recompensa.


Mas não é deste encontro que quero falar. Este eu digo para vocês como foi numa outra hora. Hoje eu estou aqui para falar de Alice, a pessoa mais generosa que já conheci. Tratava-lhe tão bem que só faltava pedir desculpas por não poder fazer mais do que aquilo, que já passava do suficiente. Não há neste mundo de pessoas que eu conheço alguém com tanta compaixão. Ela tinha um poder que dificilmente os humanos têm. A compaixão de Alice era tamanha que nos humilhava, porque não éramos capazes de chegar ao seu nível de humanidade.

Alice tinha o poder do perdão. Aquele que eu não consigo ter. Ela era superior a mim. Ela não percebia, na verdade eu nunca compartilhei isso com ela. Aliás, deveria ter feito. Ela daria um sorriso e falaria “magina”. Alice era muito para nós, para o nosso mundo. Na foto que ilustra este texto ela comtempla pela última vez um mundo a qual ela não pertence, este mundo sujo, desigual, com falta de amor e humildade, que não a merecia. Ela fazia parte de outro universo, aquele que nós não temos o passaporte de entrada. Mulher de fé, de Maria a Jesus, do Papa à São Jorge. A pessoa mais católica que já conheci. Se nós construímos nossa morada através das benfeitorias executadas na terra dos humanos, Alice se apossou finalmente de seu castelo ao lado de Deus, a quem tanto clamava, agradecia...amava, de verdade e sem dúvida!
Mulher como Alice não deveria sofrer. Assim foi na sua passagem. Linda como um anjo, delicada como a Frozen, gentil como Alice, a vó mais meiga. Quando soube de seu chamado pelo fim de seu sofrimento antes que realmente começasse, Deus não poderia fazer outra coisa senão atender ao seu pedido. Pois quantos pedidos Alice atendeu do Senhor?! Quantas vezes ela não demonstrou seu amor durante a vida na terra dos humanos?! Ela mereceu a melhor recepção que um alguém poderia ganhar, a melhor estada, a melhor caminhada até seu lugar eterno.
Alice transpirava amor. Ela tinha por seus próximos um amor sem igual, de modo que NÃO HAVIA UM SÓ SER NESTA TERRA QUE NÃO A AMAVA DE RETORNO. Ela era, sem dúvida nenhuma, uma das pessoas mais amadas por aqueles que a conhecia. Alice não reclamava nem quando tinha razão em reclamar. Aliás, como ela ousou não reclamar?! Que audácia! Ela não negava nem quando deveria negar. Ela aceitava tudo de bom grado, em prol do bem estar de quem ela amava, das pessoas com quem convivia. Ela queria atende-los, vê-los sorrir. Foi assim durante seus 82 anos de vida na terra dos humanos. Ela viu guerras, ditaduras, brigas políticas e familiares, ameaças...e nunca mudou a sua serenidade e jamais perdeu a compaixão que transbordava de si.
O choro de seus queridos não aconteceu por que ela não merecia a passagem. Ao contrário! Como já disse, este mundo não merecia Alice. O plano espiritual é que combina com seu carinho, ternura, simplicidade. As lágrimas vieram por que enquanto não fizermos a nossa passagem não teremos um ser como Alice junto a nós, tão supremo. O choro é da saudade. A saudade de seus abraços, suas bênçãos, sua beleza, sua calma. A saudade do que Alice passava para nós. Quem entrou na casa de Alice jamais saiu de lá da mesma forma. Eu acredito que Alice foi a versão feminina de Nelson Mandela. Uma pessoa incapaz de se vingar, por mais que houvesse motivos. Uma pessoa que só era capaz de amar, perdoar e conviver. Se eu não poderia ser você, Alice, graças a Deus eu pude tê-la junto a mim por algum tempo. Gostaria de ter dito isso a ela, mas demorei demais.
A vida em seu entorno só nos deu a certeza de que ela foi uma obra da literatura infantil, mas de forma invertida. A vida no mundo dos humanos foi um país com uma maravilhosa Alice.

Um comentário:

  1. Sergio, mto lindo o texto que vc deixou , vc foi mto feliz nas palavras, a avó era isso e mto mais, Deus abençoe nossa família sempre. ❤❤

    Dudu.

    ResponderExcluir