terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Relato de uma angústia

O medo

Medo é um item inevitável da nossa vida. Ele é diferente do pânico. Medo é comum e digno, porque se enfrenta com coragem. Um dos maiores medos do ser humano, sem dúvida alguma, é a perda de quem ama para a morte. Provavelmente você, leitor, já deve ter sentido esse medo algumas vezes e, quem sabe, já não chorou por causa dele?!
Quando você vê o perigo desta possibilidade na sua frente é que o medo vem, te consome e, se der tempo, te faz refletir e até mudar de atitude. O que é bom. Talvez até então você não enxergasse direito o que deveria fazer ou como ser com alguém antes que aconteça uma tragédia. Se não der tempo de consertar o erro vem outro sentimento: o arrependimento. Esse é amargo.


O Alzheimer

O Alzheimer é uma demência que atinge mais de um milhão de pessoas no Brasil. O avanço da idade é quando se tem o maior risco da doença. É o tipo de demência mais comum, que causa perda de memória, mudança de comportamento, confusão, dificuldade em completar tarefas fáceis, dentre outros sintomas. Se você tem avós ou pais já idosos saudáveis, alegre-se. Muita gente não teve a mesma sorte e sofreu o Alzheimer do outro.
Recentemente eu soube que a minha avó paterna, de mais de oitenta anos, tem Alzheimer. A velha forte, de memória exemplar, está, devagar, dando lugar a uma senhora que não sabe muito bem onde mora, onde dorme e que perdeu a memória recente. Ela não se lembra do que aconteceu nos últimos tempos e em alguns momentos tem dificuldade para reconhecer pessoas com quem conviveu com menos frequência.


O amor

A minha avó morou na mesma casa que eu desde que eu nasci — exceto por um período de pouco mais de dez anos que ela ia e vinha — e eu fui criado na sua presença. Eu e minha irmã somos os netos com quem ela mais conviveu. A frequência com que nos vemos me ajuda a sofrer menos. Ela me reconhece, sabe que de manhã eu estou saindo para trabalhar e no final da tarde eu estou chegado do trabalho. Lembrou-se sempre de quem sou filho e jura, como sempre jurou, que sou a cara do meu avô — que eu não conheci —, de quem ela tanto fala e que tinha o meu nome.
Pelo menos isso a gente ainda tem. Num dia do último final de semana eu sentei na sua sala e ela relatou para mim algumas coisas do passado, daquelas que eu já ouvi milhares de vezes, mas que desta vez não me incomodou. Na verdade, a história repetida foi uma canção para os meus ouvidos. Ela se lembra de detalhes impressionantes de passagens de quando nem meu pai havia nascido. Mas não se lembra de que eu me casei no último mês de dezembro.
Durante esta conversa ela me disse algo que me fez segurar o choro e que eu conto já já, no final do texto.
Há de se enfrentar este medo. O medo de perder alguém que ama tanto e que esteve sempre ali, preenchendo aquela lacuna que num dia não tão distante ficará vaga. O Alzheimer desenvolve-se conforme cada pessoa. Se o seu velhinho tiver sorte, ele vai viver mais uns 8 anos após o início da doença.  Talvez o Alzheimer tenha vindo para te avisar que aquilo que você ainda não fez tem a oportunidade de fazer...e faça logo.

No final da conversa no sofá de minha avó, ela coçava minhas costas da forma como sempre fez desde que eu era criança e me disse “Ai fio, você é o neto que eu mais amo, que eu mais quero bem”. Não foi a primeira e nem a décima vez em 26 anos que eu escutei isso. Deitei em seu ombro e me aliviei. Pedi a Deus para que pelo menos este amor ela jamais esqueça. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário