terça-feira, 30 de maio de 2017

A passagem

De repente estava de pé.
Roupas largas, blusa de manga longa e um calçado confortável. Tudo branco. Olhou-se de cima a baixo, tentando entender onde estava e quando havia vestido aqueles trajes. Não havia qualquer tubo conectado às suas veias e nem máscara de oxigênio. Não sentia dor alguma. A sensação era de puro e completo bem-estar e energia. Aquilo despertou nele medo.
Olhou à sua volta e viu paredes rigorosamente brancas e um piso colocado no solo de forma absolutamente perfeita. O local era um corredor enorme, que aparentemente não tinha fim. A vontade de explorar o local sobrepôs qualquer tipo de pensamento, do tipo “cadê todo mundo?”. O medo se dissipou e ele se pôs a caminhar em linha reta.
Passou por duas portas, uma de cada lado do corredor largo, frente a frente. Estavam fechadas e ele seguiu. Caminhou por aproximadamente 20 metros quando começou a ouvir passos e uma voz feminina. Ele percebeu que alguns passos à frente havia um corredor perpendicular ao que estava, virando à esquerda. Quando chegou próximo dele, avistou várias pessoas vindo na direção contrária, vestindo as mesmas roupas. Elas eram guiadas por uma mulher de pele negra e cabelos cacheados. Ela também vestia branco, parou e sorriu para ele. Ainda se sentia grogue e só fez observar a linda mulher.
- Olá. Junte-se a nós. Você deve ser o Kléber. Era você que esperávamos. – Ele hesitou por um instante. Ela insistiu – não tenhas medo. Tem outras pessoas esperando por você.


Ela pôs-se a andar, com aquela multidão a seguindo. O sorriso no rosto daquelas pessoas, de diferentes etnias e trejeitos deu coragem a ele, que se juntou ao grupo. Passaram por uma porta e entraram numa sala quadrada, tão limpa e iluminada quanto o corredor que acabara de atravessar. Havia poltronas espalhadas por toda a sala e, no canto oposto à porta um homem estava de pé, esperando pela entrada de todos.
As pessoas se acomodaram todas caladas. O homem pegou uma folha e começou a ditar nomes. Nesse instante, ele entrou num devaneio e começou a relembrar o que havia se passado antes de se perceber naquele lugar. Um bip, barulho de passos e vozes de pessoas ao seu redor. De repente o negro invadiu sua mente e ele voltou ao ambiente esbranquiçado daquele lugar estranho. Mas não suficientemente estranho para ser desagradável. Pelo contrário. O ar daquele local o deixava anestesiado de bem-estar. A voz do homem no canto da sala soou mais alto e ele voltou à sua nova realidade.
- Kléber Farias. – Ele não respondeu, apenas olhou atentamente o homem, que sorriu, olhou em direção à porta e disse: - o Kléber chegou.
A roupa branca de uma segunda figura iluminou ainda mais a entrada da sala e a felicidade contagiou seu peito de forma jamais sentida.
- Vô?!
- Oi, molequinho. Venha, você está na minha lista. Vou te levar pra casa. Estava morrendo de saudades de você.


(Essa crônica é uma homenagem a Kléber Farias, irmão de uma grande amiga, Verônica Farias, que fez sua passagem após lutar bravamente contra uma doença devastadora. "Somente o justo desfruta de paz de espírito" [Epicuro])

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