O
padre estava perplexo. A freira continuou como uma estátua, horrorizada com a
descoberta. William Krahmer permaneceu mais um instante pensativo, imaginando
quando aquilo acabaria. Ele fora ali atrás de uma chave que pudesse liquidar
essa brincadeira homicida. E nada encontrou além de um rei de paus, que, para
ele, não significava nada naquele momento.
—
Como isso veio parar na minha bíblia? —Indagou o padre, ainda em choque.
—
O senhor deixou esta sala vazia em algum instante hoje? — William questionava
sem muito interesse.
—
Apenas pela manhã. Eu cheguei aqui após o meio dia.
—
De manhã estava aberta e assim ficou por alguns minutos quando eu conversava
com uma fiel no salão da igreja — acrescentou a freira.
—
Provavelmente foi nesta hora que alguém entrou aqui e colocou este objeto.
Podem ficar tranquilos. Essa pessoa fez isso para me atrair até aqui. Nada
querem contra vocês ou contra a igreja. Vocês foram úteis, muito obrigado. —
William agradeceu e saiu em disparada para fora da igreja.
No
meio da Praça da Sé, o vendedor de pacotes aéreos se viu como uma agulha num
palheiro cheio de mistérios. Não sabia como proceder a partir dali. Já passava
das três da tarde e ele já via as nuvens fechando as últimas brechas que o sol
encontrava para derramar luz sobre a cidade. Não demoraria a chover e William
precisava se apressar. Uma chuva no meio de sua busca poderia atrapalhar.
Ele
refletiu por alguns minutos e quase decidiu hesitar em ligar para Vera mais uma
vez. Mas se viu sem saída. Até ali, Vera havia sido extremamente útil para a
localização daquelas pistas. Sem ela certamente William Krahmer não teria
chegado àquele rei de paus. Mais uma vez discou o número de Vera e percebeu que
ela já esperava sua ligação quando a resposta veio logo após o primeiro toque.
—
William, é melhor se abrir comigo. Eu não estou gostando nada dessa história e
sua mãe também não deve estar! — Disse Vera em tom ríspido.
—
Escute, Vera. Eu não tenho tempo para explicações. Você tem me ajudado bastante
nos esclarecimentos e eu prefiro que por enquanto continue assim. — William
gostou do modo como respondeu, incisivo e direto.
—
Qual é sua dúvida agora? — A voz de Vera era de quem fora vencida por seu
argumento.
—
O rei de paus. O que significa o rei de paus?
—
Eu já imaginava que era isso. Bom, dando continuidade à minha última
explicação, o rei, como você já deve ter imaginado, vem logo após a dama, é uma
carta mais forte que as outras duas que você solicitou explicação, de forma
geral. O naipe de paus representa Alexandre O Grande, o rei da macedônia. Foi um
herói no oriente médio. — Vera parou de falar, esperando resposta. Percebeu,
daquele lado da linha, que seu esclarecimento não havia sido suficiente, pois
William não retornou como ela esperava. — Entendeu? Alexandre O Grande é o naipe
de paus. Não foi útil?
—
Não neste momento. Não me ocorreu nada.
—
Se você não me disser o que é eu não vou poder ajudar de forma mais
satisfatória. — Vera deu um sorriso de canto. Sabia que a falta de
esclarecimento na cabeça do rapaz era um fator a seu favor.
—
Tá. Alexandre é o rei de paus. Obrigado Vera. Se precisar te retorno.
William
desligou e Vera revirou os olhos, bufou de raiva e, curiosa, continuou sem
saber o que ele queria. Mas parou o que estava fazendo para estudar todas as
indagações que recebeu desde o começo da tarde. Começou a juntar os pontos. As
suas leituras nem sempre terminavam da forma como gostaria, mas Vera era
inteligente e sabia como lidar com situações parecidas com aquela. Em outra ocasião,
não muito distante, ela ajudara a polícia como testemunha a desvendar um caso
de assassinato que havia presenciado. A polícia estava sem saída na resolução
daquele crime e Vera apresentou um detalhe do local que ajudou as autoridades
na localização do criminoso. Era isso que ela pretendia fazer agora, pensando
com seus botões.
William
estava sentado em um banco, solitário, com as mãos no rosto e pensativo.
Rebobinou sua memória para a cena desgraçadamente assustadora da casa de Sara.
Veio trazendo os acontecimentos daquela tarde até o momento em que se
encontrava cheio de dúvidas. Nada lhe ocorreu que ajudasse a desvendar aquela
charada, que estava em suas mãos. Observou a carta. Olhou o bonito arabesco
azul em suas costas e do outro lado o rei, olhando para ele. O rei ria de sua cara,
como quem gostaria de dizer que ele era um derrotado. Gargalhava. Incomodava a
risada daquele maldito rei. Apoiou o polegar no meio da carta e sentiu uma
saliência. Quando apertava, a carta afundava e depois voltava ao seu lugar,
como se tivesse uma bolsa de ar no meio do objeto. Como isso é possível?
William
aproximou a carta dos olhos e percebeu que havia uma irregularidade nas suas
extremidades. Observou que as duas faces da carta haviam sido separadas e
juntadas novamente. Enfiou a unha contra a junção dos dois lados e foi
descolando devagar o arabesco do rei. Puxou por completo e pegou uma fita de
papel fino que estava no interior da carta de baralho. Nela estava escrito
“Bibli”, em grafia exatamente idêntica à das demais pistas. “Bibli” e “Alexandre
O Grande”. Era aquilo que William Krahmer tinha em mãos para salvar sua mãe e
sua namorada. Pouco mais de três horas separavam aquele instante da explosão da
bomba e ele imediatamente ligou para sua consultora.
—
Vera, Alexandre tem algo relacionado à bíblia?
—
Não, ele não e um personagem bíblico como Judite. Por quê?
—
Nesta carta eu encontrei a palavra “bibli” gravada e... — William parou de
falar e desvendou o mistério daquela pista. Antes que Vera perguntasse o que
houve, ele agradeceu e desligou o telefone. Caminhando, entre os atalhos do
lugar que já conhecia bem, ele partiu com destino à biblioteca Mário de
Andrade.
Era
a biblioteca mais próxima de William. Ele imaginou que não pudesse estar em
outra. Localizada no final da Rua da Consolação, a biblioteca era um prédio
grande e retangular. Tinha um breve jardim na entrada. Àquela hora estava
vazia. William entrou e foi até o balcão. A atendente demorou a se levantar de
seu computador e, sem muita pressa, se dirigiu até o visitante.
—
Pois não, senhor?! — Disse a moça de forma entediada.
—
Eu gostaria de ver o livro de Alexandre O Grande.
—
Qual deles? — A pergunta surpreendeu William, que olhou com expressão de dúvida
para a atendente. Ela deu um sorriso de desdém para William e completou — aqui
nós temos dezenas de livros sobre Alexandre. Está vendo aquele computador? Pode
utilizá-lo para achar o exemplar que quer ver. — Ela apontou para um computador
aparentemente bem usado, daqueles que já estão por tempo demais naquele local.
Em seguida, virou as costas e voltou para sua mesa.
William
foi até o computador, conforme indicou a atendente, e pesquisou o que queria.
Uma página cheia de capas apareceu na sua frente. Foi olhando cada título e um
chamou a sua atenção. “O enigma de
Alexandre O Grande”, de Will Adams. Achou que a palavra “enigma” era a
deixa que precisava e torceu para que este não tivesse relação alguma com o
enigma que precisava desvendar. Lembrou-se da carta e concluiu que o rei é a
última carta do baralho. Encheu-se de esperança por sentir a possibilidade de
finalmente colocar as mãos na chave que buscava.
Voltou
ao balcão e pediu o livro escolhido através do código. A mulher saiu e demorou
a voltar com o exemplar solicitado. William pegou com uma pressa que chamou a
atenção da moça. Folheou o livro e não encontrou nada. Chamou a atendente e
perguntou se não tinha outra unidade daquele título na biblioteca. Ela
respondeu visivelmente irritada.
—
Senhor, o mesmo conteúdo deste exemplar é o que o senhor vai encontrar no
outro. Que diferença faz?
—
Acredite, para mim pode fazer a maior diferença. Por favor, te suplico, pegue
para mim o outro exemplar.
Impaciente,
a atendente pediu para que ele aguardasse. Dez minutos depois ela voltou com o
livro de capa preta. Este exemplar tinha a capa um pouco mais destruída, com
pontas gastas como se tivesse sofrido muitos maus tratos com dobras descuidadas
de seus manuseadores. William folheou de forma rápida e não precisou muito
tempo para achar a página que gostaria. Exatamente no meio do livro, onde há
separação de folhas na brochura, havia mais uma das intermináveis cartas de
baralho.
Ele
pegou o Ás de ouro, que estava perfeitamente encaixado na lombada com a face
virada para cima. Nada estava escrito. Ele virou a carta e foi imediatamente
surpreendido. Nas costas dela não tinha um lindo arabesco azul.

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