Em
meados de 2016, sargento Brandão foi até a penitenciária Nilton Silva, em
Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, numa manhã de terça-feira.
Alguns presos daquela cadeia seriam transferidos para Marília e Brandão seria
um dos responsáveis por essa transferência.
A
reunião de planejamento da viagem começaria às dez horas, mas Brandão já estava
no local com uma hora de antecedência. Cumprimentou alguns amigos, conversou
por alguns minutos sobre a última rodada da NFL e saiu. Foi até a máquina de
café e pediu um longo. Brandão já estava na polícia há mais de 15 anos e
naquela manhã ele resolveu tirar aquele tempo para refletir a causa de todo
aquele caos que tomava a cidade.
Enquanto
saía o seu café da máquina, sargento Brandão lembrou-se do último caso em que
precisou utilizar toda sua energia cerebral — que naquela idade já não era a
maior maravilha do mundo — para terminar o trabalho. Um roubo a banco por uma
quadrilha especializada havia acontecido de forma sorrateira, mas não tão
planejada. A proximidade de Brandão facilitou na perseguição e em nenhum momento
os bandidos fugiram do radar de sua viatura. Outros três carros da polícia
militar estavam cutucando a traseira o Ford Focus dos bandidos. O cara partia
do centro para a região norte da cidade, quando o passageiro do veículo colocou
para fora uma pistola e começou a atirar no carro da polícia. O sargento tinha
de tomar alguma decisão, que não demorou. Dois tiros nos pneus traseiros foram
suficientes para o bandido perder o controle do carro e capotar. O que atirava
morreu, outros dois foram para o hospital, um deles em estado grave.
—
Fala Brandão, tranquilo — de passagem disse o PM Tavares. Brandão saiu de suas
lembranças e voltou à realidade.
—
Beleza, Tavares. A sala está livre?
—
Ainda não. Delegado vai chamar já já, pode tomar seu café.
Tavares
era um dos PM’s mais respeitados da região. Ele não tinha dó de bandido e por
duas vezes foi colocado para trabalhar dentro da delegacia. A fama de “dedo
mole” explica as circunstâncias. Em um dos casos, Tavares massacrou a balas um
bandido que, por duas vezes, assaltou uma padaria no Brooklin, zona sul. Na
primeira houve a queixa do proprietário, mas o bandido fugiu a tempo e não foi
localizado. Na segunda ele se deu mal. A viatura com três PM’s passava bem na
hora que o bandido saía correndo do estabelecimento. O dono da padaria avisara prontamente:
“é o mesmo, é o mesmo que me roubou outro dia”.
—
Esse filho da puta vai se foder agora. — Tavares tinha raiva no ranger dos
dentes. Seu companheiro, Milton, percebeu.
—
Calma, Tavares. Vamos pegar o moleque e levar, você sabe que temos problemas
com isso.
—
Calma o caralho. Eu assumo a parada, mas esse cusão não passa de hoje.
E
Tavares cumpre o prometido. O rapaz foi abordado, revistado e levado. Tavares
pediu para que Milton parasse a viatura numa rua tranquila, à sua indicação.
Levou o rapaz para um canto entre os prédios, onde se coloca o lixo para coleta
e meteu cinco balas no seu peito. A arma que estava com o bandido foi colocada
de volta na sua mão. O delegado, é claro, não engoliu a história. E na
tentativa de proteger o PM Tavares, que assumiu a autoria dos disparos,
colocou-o para trabalhar dentro da delegacia. Dispensável dizer o quanto ele
ficou puto.
Brandão
apreciava o seu café, encostado na mesa que dava apoio à cafeteira. A cinco
metros, um grupo de PM’s conversava alegremente, alguma piada talvez. Mais à
esquerda, o delegado responsável pelo comboio dos presos dava instruções para
outro PM, indicando alguma coisa numa prancheta. Os detentos a serem
encaminhados à Marília já estavam sendo levados ao pátio de onde partiriam.
Sargento Brandão sentia um pouco de pena daquelas pessoas. Mais de seus familiares,
por ficarem, a partir de então, distantes de seus queridos. Mas sentia também
um pouco de pena da pobreza de decisão daquela gente. A escolha equivocada pelo
caminho do crime movimentava dentro de Brandão a sensação de que poderiam ter
ido por outro lado. Parecia que eles não entendiam as reais consequências que
suas ações trariam, para a família e para eles próprios. “Seu coração é muito
mole, cara”, dizia o seu grande amigo Alexandre, também PM e de coração não
muito mais duro do que o do sargento.
Alexandre
já havia passado por maus bocados na vida de polícia. Num caso de sequestro,
hesitou em atirar no bandido que lhe atingiu na perna. Um delinquente manteve
em cativeiro por dois dias uma jovem, filha de um grande empresário do ramo
alimentício. Houve negociação e o bandido aceitou soltá-la. Mas, enquanto saía
de seu esconderijo, apontou a arma para Alexandre e disparou. O tiro acertou a
perna do PM. Mas ele logo bradou, ao ver que o jovem soltara a arma após o
disparo.
—
Calma, calma, não atirem. Estou bem, apenas algemem.
É
claro que aquele sujeitinho maléfico apanhou muito no seu interrogatório.
Segundo os autores das pancadas, por resistir a falar. Mas todos na delegacia
sabiam que aquela surra tinha nome e sobrenome: Perna do Alexandre.
—
A sala está livre, entrem, por favor. — avisou o delegado.
General
Brandão caminhou até o outro lado da sala do café, onde havia uma parede de
vidro blindado que dava para o pátio dois do presídio. Os presos se enfileiravam
sob comando de um carcereiro. Brandão pensava em suas infrações e lembrava que
ali, em cada vida de roupas iguais, havia uma história diferente, uma família
por trás, seus motivos e suas crenças. Será que seriam capazes de se
arrepender? Até que ponto a cadeia ajudava na recuperação daquela gente?
—
Brandão? Vamos começar aqui. Para de ter dó desses canalhas e venha. — chamou
Tavares.
Brandão
suspirou, gesticulou com a mão como quem diz que já vai, foi até a máquina de
café e pediu outro. Aquele dia exigiria uma dose energética grande. Deu uma
última olhada pelo vidro, ouvia bem baixinho as ordens do carcereiro para os
presos enquanto ainda refletia se o crime compensa.

Massa Sergião,
ResponderExcluirGostei bastante dos seus contos dentro de um conto. As mini estorinhas, os flashbacks, me fizeram ver o que aconteceu quase como que uma testemunha desses acontecimentos violentos.
Muito Bacana, continuarei acompanhando.
Abraços
Bacana. É isso mesmo, o personagem principal, o qual quase sempre nos identificamos dentro da leitura, conta para nós, leitores, como se fosse uma testemunha. Ele vai relembrando e nós conhecendo!
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