sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Onde a vida não é mentira


Peguei a estrada mais uma vez. Sim, depois de alguns milhares de quilômetros voando, dessa vez fui por terra, por asfalto, fui sentindo a textura do chão duro do Brasil...das Minas Gerais. E fui por consequência de um amor que encontrei no ano passado. Ela me fez depois de 13 anos voltar ao norte das Minas Gerais, terra onde melhor se aprecia a culinária no país e um dos redutos de maior recepção por parte de seus habitantes, com um sotaque pra lá de gostoso.

Pouso Alegre, Varginha, Lavras, Belo Horizonte...foi tudo ficando para trás. Depois de várias horas de viagem, o sol vai caindo, passa Curvelo, Corinto, Montes Claros. Neste ponto eu senti o cheiro do destino, mas ainda tinha chão. Salinas, o cheiro da cana, da cachaça que é tesouro em qualquer lugar do mundo. Em Taiobeiras que eu me senti de novo “em casa”. Sim, porque vovó morou mais de uma década em Januária, pedaço que visitei por algumas vezes e já me sentia em terra minha. Era meu reduto de férias, porque não?! Taiobeiras já me remeteu à infância e adolescência. Mais um pedacim de terra e eu cheguei onde queria. São João do Paraíso, intitulada por ela própria de Capital Nacional do Doce de Marmelo. E com um doce desse, meu amigo, quem sou eu pra protestar esse título?!

Aqui eu quero falar da feira livre. Sim, eu estou escrevendo hoje aqui para falar sobre a feira livre de São João, aquela que você talvez vai uma vez por semana na sua cidade pra comprar uma verdura mais bonita e barata. Mas a feira de São João não é qualquer feira. A feira é um acontecimento, uma entidade, um local de encontros. Se você prefere o bar é uma escolha sua, mas o povo lá se encontra é na feira mesmo. Eu, de fora, fui comprar. Mas quantas não foram as pessoas que, observando, notei que só vai à feira para “ver gente”. Sim, param e conversam. Atravessam a barraca para ir até o lado onde está o feirante para experimentar o que ele vende, bater papo, abraçar e dizer que vai “visitar a roça”.

É sensacional. Eu guardei isso pra falar aqui no blog. Eu não disse a ninguém o que achei da feira e São João. Eu apenas lamentei ter ido embora na manhã do dia em que ela acontece. A sexta-feira. Desde segunda a expectativa é que chegue a sexta para ir à feira. Talvez os moradores da cidade não entendam o evento que é a feira, porque já é sua rotina. Mas quem chega percebe. Tudo que tem na feira veio direto do produtor. O produtor é o feirante. Ele tem o pedaço de terra na região da roça, no arredor da cidade. Ele planta e vende. Fabrica o queijo e vende. Faz o doce e vende...tudo na feira. Na época que eu fui era a hora do pequi, da manga, da jaca...e do marmelo. Quando chovia eu sentia o cheiro da jaca. Em qualquer momento sentia cheiro do pequi. Uma pintura amarela em cada estrutura de madeira da feira. Nessa feira ninguém grita, ninguém chama freguês, ninguém dá cantada na “moça bonita, que não paga, mas também não leva”. Nessa feira você para no meio do corredor para cumprimentar alguém que passa, que possivelmente é parente de alguém que você conhece – ou seu próprio parente – e ninguém reclama que está bloqueando a passagem.



É uma satisfação ir à feira. Igualmente à roça. O cheiro de saúde, de plantação. O milharal, o cafezal. Toda árvore é frutífera. Se o celular não tem sinal não tem problema, as pessoas sentam e conversam. Pega a fruta no pé e come. Muitas vezes não precisa nem de faca, viu homem da cidade?! Rasga com o dente, se lambuza, se diverte e depois se lava. Não se passa fome. Come e vende na feira. A estrada é “de chão”, terra vermelha, você segue e vai deixando poeira para trás. A sensação é de liberdade. E você pensa quanto espaço existe no Brasil para tanta gente estar ‘muquiada’ em metrópoles estressantes, poluídas e cansativas.

Tudo foi proveitoso. Tudo foi positivo. O descanso, a reflexão, o que guardei pra mim, o que expressei. Cada cerveja tomada, cada carne com “boi berrando” saboreada, cada amizade começada. O clareamento e descanso da mente e da alma. Tudo vai ficar na memória e na vontade de voltar. Mas sempre tem aquela coisa de cada lugar que te chama atenção, que vira o símbolo do local na sua cabeça. Ahhh, a feira. A feira de São João do Paraíso. A feira! Lá a vida não é mentira.

“Sou, sou desse jeito e não mudo
Na roça ‘nóis’ tem de tudo
E a vida não é mentira
Sou, sou livre feito um regato
Eu sou um bicho do mato
Me orgulho de ser caipira”
(Chitãozinho e Xororó)